Saturday, September 29, 2018

BIBLIOTECA E VIDEOTECA: NILCE SIGNORINI - ILHA BELA-SP - 22/09/2018

O HOMEM DE SUÉTER CINZA

eu não quis grudar o olho no homem de suéter cinza.
o homem tinha um nariz de triângulo parecido com o meu, mas ele não se sentou ao meu lado. sentou-se outro de barba e um cheiro forte de mar que eu podia lamber na língua.
não grudei o olho nele para não parecer esquisita. só consigo ser esquisita de longe.
à esquerda, tentei olhar para todas as árvores. quando meu pai se senta ao meu lado, fazemos um jogo: ele me pede para contar árvores e postes. tentei contá-los todos, mas descobri que sozinha quero grudar em árvores.
elas não me quiseram. eu entendi. estavam com pressa.
o ônibus parou em frente à farmácia. subiu o menino loiro que mora na minha rua e com ele o cheiro de cigarro e suor. esse cheiro eu senti arder nos olhos e os fechei.
tentei ouvir todos os barulhos. o motor rugiu no estômago e a conversa do homem de suéter cinza estapearam minha bochecha. ele não tinha voz, mas o suéter falava tão alto que arderam meus ouvidos e os tapei.
encostei o quadril na parede abaixo da janela, mas não perto demais. com os solavancos, vez ou outra a gente se tocava, rápido como um carinho. e era uma graça, não tive coragem de tentar grudar.
acho que sinto melhor as coisas quando não tento pegá-las para mim.

Maria Catarina


O blog: http://devaneiosavulsos.tumblr.com


A CARTA PSICOGRAFADA

Nasci no dia 14 de Março de 1790 
Na cidade de Lisboa a Capital de Portugal 
Fiquei viúva muito jovem e viajei para o Brasil 
Encantando-me com esse belo litoral
Anos após, casei-me com António José Lisboa de Souza
Um militar aposentado 
Com indígenas e negros aprendi muitos feitiços 
Praticando-os o que tinham-me ensinado
Aprimorei-me no mundo oculto
Realizei adivinhações, poções e envenenamento
Minha fama aumentava e para os moradores ilhéus
Eu era motivo de forte tormento 
A negra Joana, temia o que poderia lhe acontecer
Após um desentendimento comigo 
Ela adoeceu e em seguida veio a falecer
Em 1812 o padre ilhéu
Junto com o Capitão à quem a negra pertencia 
Levou o caso ao Governador da Província de São Paulo 
Acusando-me por crimes de feitiçaria
Meu casarão à beira da praia 
Pelas autoridades foi todo revistado 
Além de uma "orelha humana" seca 
Um livro com anotações de feitiçaria, também foi encontrado 
Por essa razão 
Fui levada para a cadeia de São Vicente 
Rica e conhecedora de muitos segredos alheios 
Fui liberada por uma pessoa bastante influente
Em 22 de Outubro de 1817
Apunhalei o meu marido no momento de uma briga
Fui surpreendida quando ele revidou
Matando-me, com uma facada na altura da barriga
Nesta ilha que é cercada pelo mar
Aprendi a enfeitiçar
E até mesmo a matar
No local onde morri
Comecei a assombrar
Muitas de minhas relíquias
Estão onde foi o meu último lar
Sob a guarda de meus descendentes
Ou que tenham comigo algum vínculo familiar
Guardadas no fundo de um escuro porão
Trancadas por uma espessa porta de madeira
Meu nome era Maria Perpétua Calafate
Também conhecida como, a Feiticeira.

Deniz Carlos Silva dos Santos.

CEH Ribeirão Pires - SP - 10 e 11 de agosto de 2018


A FUMAÇA


       Acordei sobressaltada. Em meio ao sono e minha cabeça parecia entorpecida. Senti no ar um cheiro estranho, parecia enxofre, mas eu não tinha certeza. Aquele cheiro me pôs em alerta.
Fazia calor e eu sentia o paladar viscoso, os olhos ardentes, fraqueza, enjoo, vertigem. Meus membros formigavam.

      Com dificuldade, caminhei até a janela. Lá fora uma fumaça densa cobria casas, ruas, tudo. Já passava do meio-dia, mas o céu parecia feito de chumbo. As luzes nos postes acenderam-se automaticamente. Percebi pelos faróis dos carros que muitos estavam parados de forma tumultuada sem saber para onde se dirigir.

      Eu podia ouvir uma mistura de vozes alarmadas, apressadas, chorosas. Ouvia latidos, buzinas, mas não conseguia identificar exatamente de onde vinham os sons. Com dificuldade, conseguia divisar o que quer que fosse através daquela parede cinzenta.

    Apesar do meu corpo abatido eu precisava sair, descobrir o que podia ser aquela fumaça, ela estava presente em cada partícula do ar. Respirar significava inalar toda aquela substância desconhecida.
A debilidade do meu corpo dificultava os meus movimentos, qualquer gesto me causava dor, minha cabeça pulsava como um imenso coração.

     As minhas mãos que antes estavam apoiadas no peitoril, agora estavam pretas de fuligem, enquanto eu olhava minhas mãos um estrondo que provavelmente seria de um carro se chocando com outro me despertou e me trouxe novamente a necessidade de sair e descobrir de onde vinha aquela nuvem que mais parecia uma lápide se fechando sobre a cidade.
Arrastei-me até a cozinha pois a sede era insuportável, a garganta ardia. Eu já tinha dificuldades para respirar, abri a torneira e bebi  com as mãos em concha, mas assim que eu fechava a torneira o desejo insaciável de beber retornava, e a sede era ainda mais penosa.

       Eu precisava procurar ajuda, eu pude entender que o meu estado se agravava. Cheguei à porta da rua me apoiando nos móveis e paredes que encontrei pelo caminho. Quanto mais me aproximava da porta, mais eu sentia minhas forças me abandonarem. Não me lembro com clareza como consegui chegar à calçada em frente a minha casa. Embora não conseguisse enxergar o fim da rua pude perceber o caos, uma confusão generalizada. Agora que eu me encontrava do lado de fora a fumaça invadia as minhas narinas. Meus pulmões recebiam lufadas negras, como se eu fumasse dúzias de cigarros ao mesmo tempo.

    O cenário era de catástrofe. Senti-me um personagem de H. G. Wells. Tudo estava coberto de fuligem: a grama, a rua, a calçada, as cercas, os carros. Um carro abandonado, com as portas abertas, estava parado no meio da rua, bem a minha frente. Muitas pessoas carregavam lanternas, eu podia avistar os vizinhos mais próximos, todos falando ao mesmo tempo e enfiando suas bagagens no porta-malas. Pessoas passavam numa debandada geral. Próximo a mim havia alguns pássaros caídos no gramado. O uivar dos cães era enlouquecedor. Aquela desordem parecia vir das profundezas da terra, eram como lufadas surgidas do inferno. O meu corpo fraquejava. A náusea agora era incontrolável. A fraqueza era tão intensa. que precisei sentar.Sentei-me

    Fui perdendo a consciência e uma letargia foi me tomando aos poucos. Recordo de alguém me tomando nos braços, lembro-me de vozes difusas das quais eu não compreendia o sentido. Esta foi a última lembrança antes de perder totalmente a minha consciência


Roberta
(escritora)

BP - Malba Tahan- SÃO PAULO - SP - 10, 17, 24, de setembro e 01, 08, 15 de outubro de 2015

PRIMEIRA VEZ AO PIANO

por Nicolle Kim

         Uma nota. Um som. Um toque. Mágico. Supérfluo. Seus dedos formigaram por alguns segundos. Sentiu aquela tecla se afundando, e um som saindo dela. Parecia algo de outro mundo. Por um instante, olhou para seus pés, para ter certeza de que continuava lá, pois jurava estar andando em uma calçada de ouro.
        Correu, mas não com o corpo e sim com a mente. Recitou versos, sentiu o cheiro da Poesia, tudo isso em um simples toque. Aquele piano, aquele lustroso instrumento, dissolveu sua dor, seus medos e suas decepções. Há pouco, a garota dançava com a solidão e brigava com o cifrão. Mas veio a chuva. Ela era de prata, transformou os monstros em estrelas, e o ódio em amor. A própria garota era um respingo de chuva. Tocou no pólen, e voou com as abelhas, mas um uivo a vez voltar, estava de novo naquele mundo frio.
        “Oh, Platão! Volte-me para o mundo das ideias”, implorou a moça, e tocou outra tecla. Sentiu um puxão atrás do umbigo. Estava no infinito. Era intocável. O que era aquela dimensão gelada que parecia uma cópia ofensiva daquele sonho? Nem se lembrava mais. Soltava faíscas, seu coração brilhava. O cálice em seu peito transbordou. Viu o vértice do sol. Contou universos. Encontrou decimais voando. Esqueceu o pecado. E beijou o mar, em sua mais doce pureza.
        E quando voltou para a realidade, entendeu que ela não era mais a mesma, pois havia se fundido com o piano, e o piano com ela.



O PRÉDIO

Suely Schraner



A tarde trazia consigo melancolia de pôr-do-sol. Andara o dia o dia todo. As têmperas latejando. Britadeira batucando do outro lado da rua. Demolira planos. Rompera ilusões. Nadara em águas revoltas. Nebulosas da memória. Mistura de vinho com Rivotril, as suas sinapses poéticas.

Ávidos edifícios o espreitam.
Pele de vidro e frita aves. Caleidoscópio lancinante. Lugarzinho inabitável. Áreas descomunais. A planta letal. A vida por um fio é que dá força para amar. Certificar o nada.
O desespero a um passo da felicidade.

Deu por si e estava diante dela.
“Não esperava te encontrar aqui”. “Ah, bem sabe que minha vida é nos cascos”. “Sei, nos sapatos e na cama”. “Andou chorando?”
Abaixa os olhos. “Cisco”.
Sinto que gostaria de me beijar. “Diga-me, será que desta vez conseguiremos? “O não nós já temos". "Agora, é tentar o sim”.
Passam despercebidos.

No andar, começara a sentir-se mal. “Você está doente? “Cisco”. Tá brincando! “Sinta o cheiro”. De morte? “Não amole, é cheiro de felicidade”.

Embolados. “Sabia que o corpo fala? Às vezes, faz bem ficar doente”. “É a vida chamando a atenção da gente”. Tem o dinheiro?
“Daqui dez dias”. “Dez dias não é possível. Até lá...”

Saem.

O sol se escondera detrás do prédio.
Espelhado e colorido.
Caleidoscópio onírico. Na planta ou próprio para morar. A vida alucinada.
Certificação AQUA- alta qualidade ambiental. Áreas comuns generosas.
A felicidade a um passo do desespero.

OC ALFREDO VOLPI. - SÃO PAULO-SP - 28 de julho a 29 de setembro de 2014

QUALQUER UMA.


Renata Iracema

Não havia nela nenhum sinal de arrependimento. Bar de toalhas gordurosas e gente embriagada. Pareceu-lhe o cenário mais acolhedor para os primeiros suspiros depois da longa viagem, que foi arrastada, carregada de vertigem, vômitos. Um líquido viscoso, escuro, sangue. Fazia com que sua garganta ardesse a fogo. Gosto de morte, destino incerto. Mas usufruía de si. Uma solidão que não tinha lembrança de ter experimentado. Deixara a quilômetros a realidade que a violentava diariamente.



No lugar que chamava de lar, uma filha e um homem mecanicamente amoroso.  Exaustos. Delegacia, hospitais, telefonemas. Nada. Sem resquícios da mulher que haviam deixado em casa, imersa em seus afazeres cotidianos. O desespero cortava a carne do homem ritmado pelo choro agudo e incessante da pequena, a primeira a se dar conta da ausência. A mãe não estava à sua espera como o habitual. Todos unidos pela certeza que seus mundos metamorfosearam definitivamente.



Joana se casara muito cedo em seu julgamento. Por conta de uma espécie de armadilha do destino, como gostava de pensar. A vida lhe atropelou com violência. Se viu encurralada pelo homem apaixonado e flores, ainda na adolescência. Foi cedendo em doses homeopáticas até acabar no altar. Desde então alimentava secretamente um asco incontrolável pelo marido. E a rejeição tomou tal proporção que se tornara um gigante que os separava na mesa, na cama, nos passeios de final de semana, no contato diário por mais breve que fosse, ao ponto que se tornara insuportável ser alvo do amor massacrante daquele homem.



Se oscilou por um instante antes da fuga, havia de ser por conta da lembrança do rosto redondo da menina. Mas ela ficaria melhor sem a angústia latente e constante da mãe. A maternidade, ao contrário do que escutara a vida toda, não lhe trouxe satisfação alguma.  Apesar de ter se afeiçoado àquela criatura tão necessitada de seus cuidados, a via como um parasita. Depois de se hospedar em seu corpo por longos meses, causando-lhe dores e náuseas, ao sair à luz originou uma aflição que nunca há de cair no esquecimento. Sugou-lhe os seios com violência, havia momentos em que Joana pensava que o bebê lhe arrancaria os mamilos. Insaciável. Mais tarde lhe tomou todo o tempo e energias com suas peraltices e gritos histéricos. Caprichosa, sem modos. Momentos raros de leveza.



Em uma tentativa de aceitação Joana procurou a mãe, em prantos, em busca de algum tipo de acolhimento para tanto desconforto. Porém suas queixas eram inválidas, sem razão de ser. Como? Casada com um homem íntegro, decidido, provedor de todas as necessidades da família! Incapaz de violências contra mulher! Cortez. O que mais ela poderia querer? Carro na garagem, uma casa bem equipada, cinema e restaurante aos finais de semana. Uma família típica, bem resguardada sob os edificados pilares do pensamento classe média. Como ousava não ser grata?



Mas surpreendentemente, ao olhar-se no espelho pela manhã de um dia comum, sem explicações evidentes, a coragem lhe arrebatou. Percebeu-se ainda moça, vistosa. Notou que o brilho e a vitalidade de seus olhos negros ainda não se apagaram. A esperança por dias mais luminosos e experiências extraordinárias ainda era pulsante e viva. Seu corpo, suas curvas, suas unhas vermelhas, seus cabelos longos e volumosos. Prendera-se, sobretudo, em seus lábios, sedentos por outros sabores, beijos pecaminosos, corpos de estranhos, cheiros, pelos. Desejo incontrolável por uma noite que não fosse com aquele que dividia a cama noite após noite. Sedutora por inteiro intuiu-se forte e destemida.


Como haveria de continuar se traindo de tal maneira. Diariamente violentada! Legitimamente.  Seus passos por tanto tempo premeditados. Uma briga constante entre os desejos e as obrigações de mulher, mãe, esposa dedicada. Como passar por essa existência com tal passividade, com tal obediência cega e cruel. Como continuar cozinhando, lavando, passando, sendo paciente e boa? Preferia ser louca. Puta. E jogar-se no mundo sem garantias. Qualquer coisa lhe parecia mais razoável do que a mediocridade vivida até então.


Motivada por tais sentimentos, escolheu poucas peças, as que a deixavam mais bela. Uma bolsa, escova de dente, pente, batom. Gostaria de levar consigo uns pares de sapatos prediletos, mas não! Tudo haveria de ficar no passado. O colar que ganhara no quinto ano de casada haveria de acompanhá-la, já estava em seu pescoço, habituara-se a ele. Correu até o banco em tinha uma modesta poupança tentando controlar sua euforia, calculava seus movimentos para que as pessoas não percebessem sua exacerbada agitação. Medo de levantar suspeitas, se denunciar a qualquer pergunta, ser impedida àquela altura. Fugitiva. Já com dinheiro vivo foi à procura de seu destino na rodoviária.


Apesar do medo, da ideia de segurança que lhe segurara por tanto tempo na infelicidade, a inquietude pelo desconhecido assassinou cruelmente a mulher sensata. Intuitivamente astuta, a cruel assassina achegou-se sorrateiramente, como a serpente no paraíso, mostrando todas as irresistíveis delícias de rebelar-se, da necessidade de expansão da consciência que segundo a bíblia, teve a mulher como desbravadora. A assassina, antes do golpe fatal, lhe explanou com cuidado e malícia que as algemas da obediência só lhe serviam para limitar, impedir a transcendência. Era a chama que queimara suas ancestrais, que teimavam em ceder ao fruto proibido.

O homem e a criança esperaram até naturalmente deixar de acreditar no retorno. A esperança deu espaço ao medo, que tornou-se uma profunda tristeza,  até que consolidou-se no ódio do abandono. Nunca souberam ao certo os motivos e a sina daquela mulher tão importante em suas vidas. Após uma espécie de período de luto, foi substituída por outra mulher que desempenhava seu papel com mais afinco e alegria. Uma segunda mulher que fora salva da solidão e que dizia não enxergar razão para a Joana, a louca, ter abandonado sua vida “perfeita”.



A LÍNGUA DE BRAILE
Matheus Wilson



Ao engolir lentamente a porra quente, lembrou-se do fim de seu primeiro dia de aula, do escárnio e do descaso, daquele sorriso, o olhar cheio de si e o esgar de sobrancelhas. Sente-se na cadeira, por favor Marcos, e aquele aquele furacão de superioridade, aquela sub-celebridade escolar, aquele moleque do Itaim com pose de estudante de Cambridge em na ponta da língua: só se você sentar no meu colo fessora.

Ela não era Atlas, em seus ombros só podia carregar seu próprio mundo. Só se ensina a quem quer aprender. Em um dia não muito longínquo daquele primeiro, veio o último, quase como um bebê nascido nas cinzas radioativas de Hiroshima. E o que faz alguém que só tem dois conhecimentos e a tinta de um deles se acaba? Puta. Como quase tudo no mundo, o acaso foi quem definiu. Luzes estroboscópicas e som alto. Um sorriso desaforado e uma proposta indecente. Ela sequer ouviu a oferta, topou. Na manhã seguinte abriu as pálpebras maciças e tartarugamente acordou para ir à escola. Da cama viu na beira da pia da cozinha o dinheiro, mais do que receberia em três dias de aula. Decisão fácil. Comungou novamente com os lençóis e o cheiro do café só ecoou com Apolo já começando a segunda metade de seu trabalho.

Folhas caíram, árvores secaram e flores brotaram, e de novo e de novo. O apartamento atual era do jeito que os corretores gostam, o que lhe vendeu, inclusive, era cliente: vinte por cento de desconto. Caminhou lentamente até a varanda, podia ver as pessoas correndo pela Paulista. Atravessou a sala como um interiorano recém chegado à São Paulo, passou pelos sofás sentindo leve o tapete de pelúcia, viu de relance a TV de sessenta polegadas e pensou que talvez pudesse assistir a um filme mais tarde, deu mais quinze passos pelo corredor e entrou no banheiro, às onze chegaria o primeiro cliente do dia. Se arrumou com cuidado e exatamente na hora o interfone tocou.

Esperou um minuto antes de abrir, sabia que assim eles ficavam mais ansiosos. Os olhos dele se arregalaram quando a viram, tremia tanto que aos poucos se encolhia. Ela também estava absolutamente surpresa, porém o nervosismo já não era algo que lhe afligia, a nova profissão tinha lhe ensinado calma. Abriu um sorriso. O puxou pra dentro, mudo como o mundo antes que Deus criasse o céu e a terra. O colocou na cama como faria a um acamado após o banho, lhe beijou a bochecha enquanto a mão passeava pelas costas largas, ele ofegava, estátua a respirar. A capitã do barco lhe desabotoouas calças e ele humilde, submisso e trêmulo, só capaz de sentir. Ignorância e medo aliados ao desejo. Passou a boca pelo pescoço ainda imberbe, as unhas vermelhas lhe cravaram na nuca enquanto a boca se achegava ao ouvido, a voz era quente, imperativa e úmida: Marcos, aprenda! E súbita, de um gole só, lhe abocanhou o cacete.



O MONSTRO DO CAFEZAL
 Mercedes dos Santos


No grande cafezal trabalhavam muitas famílias de catadores de café
uma dessas famílias era do senhor Miguel que tinha vários filhos,
eram eles Pedro ,Zico,Tonica ,Vina ,Maria,João,Luiz e Zé .Todos trabalhavam das cinco da
manhã as cinco da tarde,não passavam um minuto deste horário .
A noitinha juntava toda a vizinhança para tocar viola ,cantar e contar historias de assombração, monstros caveiras e mortos .

Quem contava essas coisas era senhor Miguel, a que ele mais gostava de contar era do monstro do cafezal, todos escutavam  atentos a essa aparição.
Ele nunca tinha visto mas afirmava que existia esse bicho na roça de café, o seu filho Zé gostava de desmentir o pai um homem idoso.

Essa historia e du meu pai,esse monstro nunca apareceu pra ninguém issu tudu é cunversa fiada num tem nada nu cafezar .

O Zé abusava tirava uma com seu pai : _Qui bicho qui nada vo paga pra vê esse monstro di perto .
Coitado do senhor Miguel, ficava tão sem graça que mudava de assunto e contava outra historia quando o Zé estava por perto.

Todos queriam saber do monstro do cafezal ,mas com o Zé por perto era bobagem ,o pobre pai não podia contar essa historia pois o malcriado do filho não deixava , enfiando o bico no meio e atrapalhando a conversa .
-Que cara chato essi Zé marcriado sem inducação num respeita nem o pai já di idade .
Comentava alguns vizinhos interessados na historia do bicho. Certa noite o Zé                                              ficou doente e foi para cama bem cedo .Essa foi a noite mais feliz do senhor Miguel e de todos que estavam ali .O pai aproveitou a doença do filho linguarudo para contar a historia inteirinha .Todos se juntaram para mais perto do senhor Miguel para ouvir sem perder nada .
-Pois é cumpanherus  esse bicho qui vivi nu cafezar é muito feiu dizi qui ele vai chegano di mansinho bem de vagarzinho quetinho, mais vai cresceno aos poco até virá um monstro tão grandi qui cobri a genti ,eli tem horário prá aparece purissu qui nois só fica na roça até a cinco hora da tarde ,despois tudu nois vamo imbora.

Logo o filho do contador o Zico pergunta .-Nossa  issu é verdade  pai  qui coisa horrivi nunca vo passá dessi horario lá.
 -É verdadi sim fiu ,os antigu  qui contaro issu pra mim,elis num menti ,argum inté já viru o bicho di longi afirmaro qui eli e muitu feio ,podi inguli a genti iguar sucuri ,dizia qui disapareceu um monti di genti qui abusava e passava das cinco hora la no cafezar .
Todos gritaram em coro .-Nossa...qui medo ,Deus nus defendi Jesus,Maria, José.
Senhor Miguel continuava  -Eu tinha um amigu qui passo a noiti lá e nu otru dia ninguém  mais viu o homi até hoji devi te sido ingulido pelu bichu num duvidu .
Novamente Zico pergunta -Pai eli e tão grandi i feiu  mesmu?
 -É sim fiu .
-A gora eu não vo ficá lá até a cincu hora vo vim mais cedo , da qui bichu resorva parece antis da hora .
não apareci ele só vem despois dessa hora , podi ficá sussegadu.
O Chico lá no canto pergunta ;-Num é pirigosu ?né mió a genti vortá mais cedu seu Miguer ?
-Não a cincu ta bão ;eli num vem nessa hora só mais tardi.
-O sinho garanti ? Perguntou o Joaquim
-garantu podi cunfiá !

E por aquela noite o assunto foi encerrado , todos foram dormir pensando no monstro . No outro dia todos foram para roça e a conversa era só essa , do monstro do cafezal .
O Zé já tinha se curado da noite anterior e estava com as orelhas em pé escutando os comentários , não demorou muito tempo e o bicudo começou a falar criticando a historia que o pai na ausência dele contou .
-Vo prová pro seis , qui aqui não tem nada di bichu ,podi  imbora tudu mundu qui hoji eu vo ficá até bem tardi esperá qui eli vem .
-Zé num abusa , respeita essas coisa é pirigoso passá do horário aqui .
-Pois num tenho medo vo ficá .
chegou o horário todos pegaram seus pertences e foram embora . Não e que o abusado ficou!

A noite todos se juntaram no terreiro para tocar viola e cantar como era o costume,esqueceram do Zé . Mal o som da viola saiu todos começaram a cantar ,
mas de repente um grito é ouvido ao longe .- Socorro....SOCORRO...MI ACODI  .
De quem era o grito ?do Zé .Que apareceu correndo com sangue saindo do nariz que bateu na arvore, o corpo todo arranhado dos galhos secos ,a roupa em farrapos porque passou correndo por cerca  de arame farpado .Quem falou primeiro foi o senhor Miguel .
-É o Zé só tá machucado ,tevi sorti di não se ingulidu pelu bichu
Ele estava com tanto medo que entrou porta adentro e não saiu nem com reza brava .
Seu Miguel estava tão calmo , deu a ordem. -Toca  a viola vamu cantá ,dexa o Zé pra lá , bem feitu pra eli ,issu é pra não duvidá di mim.
 Nos dias que seguiram ele era o primeiro a ir embora .BEM FEITO PRO ZÉ   !!

Thursday, September 27, 2018

Oficina de Escrita Criativa: OC Gerson de Abreu (23 a 25 de abril de 2014)


ENTRE MUNDOS

  
"Lua deitada, marinheiro em pé... Marinheiro em pé, lua deitada..." Marulhar de palavras que ainda revoam a minha memória.
          Olhar embaçado, cheiro de maresia, prenunciando um rebojo que logo viria.
          Em um lampejo de luzes, água salobra, barulho de gaivotas, Antônio Marinheiro apercebe-se do que está acontecendo. Como em mundo onírico, as meninas dos olhos esmeralda, miram uma praia deserta de areia monazítica ante, ao sopé de um morro quebrado pelas brumas marítimas.
          Estaria eu, nos céus, ou as imagens retintas em minhas retinas teriam mudado?  Pater nostri....
          Sol a pino. Boca sedenta. Ando a meia légua. Chego ao Campo Santo, meus olhos fitam uma moça. Imberbe em sua inocência e no teu olhar. Inocência arisca. Coração latente. Quem serias tu?
          Adentro o Campo Santo, covas rasas, silêncio inóspito. Estalos na mata. Calor sufocante. Bem-te-vi....! Bem-te-vi....! Cantar adivinho do acaso. Sinal de mau agouro.
          Moça imberbe. Tez trigueira, olhares aflitos. Incelências intermináveis. Rosários contados. Velas a queimar. Orações sussurradas. Almas enlevadas.
          Retinas ingratas, que por missão terminada, relembra tua essência: "Memento homo, que a pulvis és, et in pulveris reverteris"


Natrícia Silva
(Professora)

BIBLIOTECA E VIDEOTECA: NILCE SIGNORINI - ILHA BELA-SP - 22/09/2018

O HOMEM DE SUÉTER CINZA eu não quis grudar o olho no homem de suéter cinza. o homem tinha um nariz de triângulo parecido com o meu, ma...