Saturday, September 29, 2018

CEH Ribeirão Pires - SP - 10 e 11 de agosto de 2018


A FUMAÇA


       Acordei sobressaltada. Em meio ao sono e minha cabeça parecia entorpecida. Senti no ar um cheiro estranho, parecia enxofre, mas eu não tinha certeza. Aquele cheiro me pôs em alerta.
Fazia calor e eu sentia o paladar viscoso, os olhos ardentes, fraqueza, enjoo, vertigem. Meus membros formigavam.

      Com dificuldade, caminhei até a janela. Lá fora uma fumaça densa cobria casas, ruas, tudo. Já passava do meio-dia, mas o céu parecia feito de chumbo. As luzes nos postes acenderam-se automaticamente. Percebi pelos faróis dos carros que muitos estavam parados de forma tumultuada sem saber para onde se dirigir.

      Eu podia ouvir uma mistura de vozes alarmadas, apressadas, chorosas. Ouvia latidos, buzinas, mas não conseguia identificar exatamente de onde vinham os sons. Com dificuldade, conseguia divisar o que quer que fosse através daquela parede cinzenta.

    Apesar do meu corpo abatido eu precisava sair, descobrir o que podia ser aquela fumaça, ela estava presente em cada partícula do ar. Respirar significava inalar toda aquela substância desconhecida.
A debilidade do meu corpo dificultava os meus movimentos, qualquer gesto me causava dor, minha cabeça pulsava como um imenso coração.

     As minhas mãos que antes estavam apoiadas no peitoril, agora estavam pretas de fuligem, enquanto eu olhava minhas mãos um estrondo que provavelmente seria de um carro se chocando com outro me despertou e me trouxe novamente a necessidade de sair e descobrir de onde vinha aquela nuvem que mais parecia uma lápide se fechando sobre a cidade.
Arrastei-me até a cozinha pois a sede era insuportável, a garganta ardia. Eu já tinha dificuldades para respirar, abri a torneira e bebi  com as mãos em concha, mas assim que eu fechava a torneira o desejo insaciável de beber retornava, e a sede era ainda mais penosa.

       Eu precisava procurar ajuda, eu pude entender que o meu estado se agravava. Cheguei à porta da rua me apoiando nos móveis e paredes que encontrei pelo caminho. Quanto mais me aproximava da porta, mais eu sentia minhas forças me abandonarem. Não me lembro com clareza como consegui chegar à calçada em frente a minha casa. Embora não conseguisse enxergar o fim da rua pude perceber o caos, uma confusão generalizada. Agora que eu me encontrava do lado de fora a fumaça invadia as minhas narinas. Meus pulmões recebiam lufadas negras, como se eu fumasse dúzias de cigarros ao mesmo tempo.

    O cenário era de catástrofe. Senti-me um personagem de H. G. Wells. Tudo estava coberto de fuligem: a grama, a rua, a calçada, as cercas, os carros. Um carro abandonado, com as portas abertas, estava parado no meio da rua, bem a minha frente. Muitas pessoas carregavam lanternas, eu podia avistar os vizinhos mais próximos, todos falando ao mesmo tempo e enfiando suas bagagens no porta-malas. Pessoas passavam numa debandada geral. Próximo a mim havia alguns pássaros caídos no gramado. O uivar dos cães era enlouquecedor. Aquela desordem parecia vir das profundezas da terra, eram como lufadas surgidas do inferno. O meu corpo fraquejava. A náusea agora era incontrolável. A fraqueza era tão intensa. que precisei sentar.Sentei-me

    Fui perdendo a consciência e uma letargia foi me tomando aos poucos. Recordo de alguém me tomando nos braços, lembro-me de vozes difusas das quais eu não compreendia o sentido. Esta foi a última lembrança antes de perder totalmente a minha consciência


Roberta
(escritora)

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