A FUMAÇA
Acordei
sobressaltada. Em meio ao sono e minha cabeça parecia entorpecida.
Senti no ar um cheiro estranho, parecia enxofre, mas eu não tinha certeza.
Aquele cheiro me pôs em alerta.
Fazia calor e
eu sentia o paladar viscoso, os olhos ardentes, fraqueza, enjoo,
vertigem. Meus membros formigavam.
Com
dificuldade, caminhei até a janela. Lá fora uma fumaça densa cobria
casas, ruas, tudo. Já passava do meio-dia, mas o céu parecia feito de chumbo. As luzes nos postes acenderam-se automaticamente. Percebi pelos faróis dos carros que
muitos estavam parados de forma tumultuada sem saber para onde se dirigir.
Eu podia
ouvir uma mistura de vozes alarmadas, apressadas, chorosas. Ouvia latidos,
buzinas, mas não conseguia identificar exatamente de onde vinham os
sons. Com dificuldade, conseguia divisar o que quer que fosse através daquela parede
cinzenta.
Apesar do meu
corpo abatido eu precisava sair, descobrir o que podia ser aquela fumaça, ela
estava presente em cada partícula do ar. Respirar significava inalar toda
aquela substância desconhecida.
A debilidade
do meu corpo dificultava os meus movimentos, qualquer gesto me causava dor,
minha cabeça pulsava como um imenso coração.
As minhas
mãos que antes estavam apoiadas no peitoril, agora estavam pretas de fuligem,
enquanto eu olhava minhas mãos um estrondo que provavelmente seria de um carro
se chocando com outro me despertou e me trouxe novamente a necessidade de sair
e descobrir de onde vinha aquela nuvem que mais parecia uma lápide se
fechando sobre a cidade.
Arrastei-me até a cozinha pois a sede era insuportável, a garganta ardia. Eu
já tinha dificuldades para respirar, abri a torneira e bebi com as mãos
em concha, mas assim que eu fechava a torneira o desejo insaciável de beber
retornava, e a sede era ainda mais penosa.
Eu precisava procurar ajuda, eu
pude entender que o meu estado se agravava. Cheguei à porta da rua me apoiando nos móveis e paredes que encontrei pelo caminho.
Quanto mais me aproximava da porta, mais eu sentia minhas forças me
abandonarem. Não me lembro com clareza como consegui chegar à calçada em frente
a minha casa. Embora não
conseguisse enxergar o fim da rua pude perceber o caos, uma confusão
generalizada. Agora que eu
me encontrava do lado de fora a fumaça invadia as minhas narinas. Meus pulmões recebiam lufadas negras, como se eu fumasse dúzias de cigarros ao mesmo tempo.
O cenário era
de catástrofe. Senti-me um personagem de H. G. Wells. Tudo estava coberto de
fuligem: a grama, a rua, a calçada, as cercas, os carros. Um carro abandonado, com as portas abertas, estava
parado no meio da rua, bem a minha frente. Muitas pessoas carregavam lanternas, eu podia avistar os vizinhos
mais próximos, todos falando ao mesmo tempo e enfiando suas bagagens no
porta-malas. Pessoas passavam numa debandada geral.
Próximo a mim havia alguns pássaros caídos no gramado. O uivar dos cães era enlouquecedor. Aquela desordem parecia vir das profundezas da terra, eram como lufadas surgidas do inferno. O meu corpo
fraquejava. A náusea agora era
incontrolável. A fraqueza era tão intensa. que precisei sentar.Sentei-me
Fui perdendo
a consciência e uma letargia foi me tomando aos poucos. Recordo de alguém
me tomando nos braços, lembro-me de vozes difusas das quais eu não
compreendia o sentido. Esta foi a última lembrança antes de perder
totalmente a minha consciência
Roberta
(escritora)
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