Saturday, September 29, 2018

BP - Malba Tahan- SÃO PAULO - SP - 10, 17, 24, de setembro e 01, 08, 15 de outubro de 2015

PRIMEIRA VEZ AO PIANO

por Nicolle Kim

         Uma nota. Um som. Um toque. Mágico. Supérfluo. Seus dedos formigaram por alguns segundos. Sentiu aquela tecla se afundando, e um som saindo dela. Parecia algo de outro mundo. Por um instante, olhou para seus pés, para ter certeza de que continuava lá, pois jurava estar andando em uma calçada de ouro.
        Correu, mas não com o corpo e sim com a mente. Recitou versos, sentiu o cheiro da Poesia, tudo isso em um simples toque. Aquele piano, aquele lustroso instrumento, dissolveu sua dor, seus medos e suas decepções. Há pouco, a garota dançava com a solidão e brigava com o cifrão. Mas veio a chuva. Ela era de prata, transformou os monstros em estrelas, e o ódio em amor. A própria garota era um respingo de chuva. Tocou no pólen, e voou com as abelhas, mas um uivo a vez voltar, estava de novo naquele mundo frio.
        “Oh, Platão! Volte-me para o mundo das ideias”, implorou a moça, e tocou outra tecla. Sentiu um puxão atrás do umbigo. Estava no infinito. Era intocável. O que era aquela dimensão gelada que parecia uma cópia ofensiva daquele sonho? Nem se lembrava mais. Soltava faíscas, seu coração brilhava. O cálice em seu peito transbordou. Viu o vértice do sol. Contou universos. Encontrou decimais voando. Esqueceu o pecado. E beijou o mar, em sua mais doce pureza.
        E quando voltou para a realidade, entendeu que ela não era mais a mesma, pois havia se fundido com o piano, e o piano com ela.



O PRÉDIO

Suely Schraner



A tarde trazia consigo melancolia de pôr-do-sol. Andara o dia o dia todo. As têmperas latejando. Britadeira batucando do outro lado da rua. Demolira planos. Rompera ilusões. Nadara em águas revoltas. Nebulosas da memória. Mistura de vinho com Rivotril, as suas sinapses poéticas.

Ávidos edifícios o espreitam.
Pele de vidro e frita aves. Caleidoscópio lancinante. Lugarzinho inabitável. Áreas descomunais. A planta letal. A vida por um fio é que dá força para amar. Certificar o nada.
O desespero a um passo da felicidade.

Deu por si e estava diante dela.
“Não esperava te encontrar aqui”. “Ah, bem sabe que minha vida é nos cascos”. “Sei, nos sapatos e na cama”. “Andou chorando?”
Abaixa os olhos. “Cisco”.
Sinto que gostaria de me beijar. “Diga-me, será que desta vez conseguiremos? “O não nós já temos". "Agora, é tentar o sim”.
Passam despercebidos.

No andar, começara a sentir-se mal. “Você está doente? “Cisco”. Tá brincando! “Sinta o cheiro”. De morte? “Não amole, é cheiro de felicidade”.

Embolados. “Sabia que o corpo fala? Às vezes, faz bem ficar doente”. “É a vida chamando a atenção da gente”. Tem o dinheiro?
“Daqui dez dias”. “Dez dias não é possível. Até lá...”

Saem.

O sol se escondera detrás do prédio.
Espelhado e colorido.
Caleidoscópio onírico. Na planta ou próprio para morar. A vida alucinada.
Certificação AQUA- alta qualidade ambiental. Áreas comuns generosas.
A felicidade a um passo do desespero.

No comments:

Post a Comment

BIBLIOTECA E VIDEOTECA: NILCE SIGNORINI - ILHA BELA-SP - 22/09/2018

O HOMEM DE SUÉTER CINZA eu não quis grudar o olho no homem de suéter cinza. o homem tinha um nariz de triângulo parecido com o meu, ma...